21 de dezembro de 2011

Maria, mãe.


Há coisas nesta vida que simplesmente não se pode explicar. A razão de nos tornarmos amigos justamente de uma pessoa em especial e não de outra, o porquê de alguém escolher passar toda uma vida dedicada a um ideal de doação ao próximo, desinteressadamente; o motivo de sempre chover nos feriados prolongados... A vida é cheia de espantos e de coisas incompreensíveis.
Entretanto, de todos esses mistérios que nos rodeiam, o sentimento materno é um dos maiores, sem dúvida. Como explicar que um ser humano possa trazer outro dentro de si ao longo de nove meses, alimentando-o de si mesmo e, depois, ser capaz de até mesmo entregar-se à morte por aquele a quem deu a vida? Bom, haverão de desfiar múltiplas razões fisiológicas, tentando decompor infinitamente a maravilha da vida que gera vida. O seu conhecimento mais profundo e completo, no entanto, somente a mulher grávida saberá, porque, de fato, coisas há que não se explica, mas se vive.
As mães são portadoras de um mistério divino. Em seu ventre levam o dom de serem participantes da ação criadora de Deus.  Não é por acaso que a Sagrada Escritura, mais de uma vez, compara as atitudes de Deus às das mães. “Vós sereis amamentados e ao colo carregados e afagados com carícias; como a mãe consola o filho, em Sião vou consolar-vos”. (Is 66, 12-13) “Fui eu quem ensinou Efraim a caminhar, eu os tomei pelos braços! Com laços de amor eu os atraía, eu era para eles como os que levantam uma criancinha contra seu rosto, eu me inclinava para ele e o alimentava.” (Cf. Os 11, 4). A maternidade tem algo de divino, de co-criador.
No livro do Gênesis vemos a mulher ser chamada “auxiliar” pela boca de Deus (Cf. Gn 2, 18). Infelizmente acostumamos demais nossos ouvidos a esta palavra, esvaziando-lhe o sentido mais rico, empregado pela Escritura. Deus é chamado “auxílio” no livro dos Salmos (Cf. Sl 69 (70)), de modo que “auxiliar” não é usado aí como um termo de menor importância para designar a mulher. Pelo contrário, eleva-se a sua dignidade como que dando-lhe cores divinas: Deus age com amor de mãe, incondicionalmente. Que outra comparação mais condizente com a nossa realidade poderia ser usada para designar o Deus-Amor? É a mãe que é capaz de passar noites em claro ao lado da cama do filho doente. Que mesmo quando o filho perde-se na vida, continua a amá-lo tanto quanto antes, senão mais. Se existe um ser que possa definir a misericórdia, esse ser é a mulher que se torna mãe em plenitude, porque deixa de viver para si e passa a viver para aquele que gera, para o outro.
Celebrar o nascimento de Jesus neste mês de dezembro leva-nos, muito naturalmente, a contemplar Maria, figura materna mais emblemática da história da salvação. Emociona aproximar-se deste mistério que é Deus Altíssimo, cujo nome era sequer pronunciado, fazer-se homem, participando de nossa vida cotidiana. O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), notadamente ateu, certa vez escreveu a alguns padres, a quem admirava, a respeito do Natal. Comovia-lhe a beleza que há na figura da mãe que carrega um Filho Deus ao colo. Assim escrevia: “A Virgem está pálida e olha para o menino. O que seria necessário pintar neste rosto é um encantamento ansioso que não apareceu senão uma vez sobre uma figura humana. Porque Cristo é o seu menino: a carne da sua carne, o fruto das suas entranhas. Cresceu nela durante nove meses e dar-lhe-á o seu seio (...) e, por momentos, a tentação é tão forte que ela esquece que ele é Deus. Aperta-o nos seus braços e diz: 'Meu pequenino.'
Mas noutros momentos ela suspende esse movimento e pensa: Deus está aqui. (...)
Penso que também há momentos, rápidos e fugidios, nos quais ela sente, ao mesmo tempo, que Cristo é seu filho e que ele é Deus. Ao olhar para ele, pensa: este Deus é meu menino. Esta carne divina é a minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma da sua boca é a forma da minha. Parece-se comigo. Ele é Deus e parece-se comigo.
Nenhuma mulher teve, desse modo, o seu Deus só para ela, um Deus pequenino que se pode tomar nos braços e cobri-lo de beijos, um Deus quentinho que sorri e que respira, um Deus que se pode tocar e que ri! É num destes momentos que eu pintaria Maria, se fosse pintor."
Natal é, por excelência, a festa da fraternidade: Deus faz-se irmão. E isto é de uma beleza e força imensas, que atinge diretamente a nossa compreensão de quem é Deus. Ele não é apenas o Senhor dos Exércitos, o Deus Poderoso. Mas é também o Deus Menino, Deus envolto em fraldas... Isto é, Deus-Irmão. O Onipotente deixa-se manipular, faz-se dependente, precisa que lhe troquem as fraldas, que lhe deem banho, que o façam andar. E por que tudo isso? Para demonstrar seu amor que não conhece limites. E mais, para demonstrar como somos importantes ao seu olhar. Ao fazer-se semelhante a nós, nos ensina em seu corpo o que é compaixão. Nasce pobre, numa periferia, assumindo em si todos os preconceitos que conhecem aqueles que nascem pobres ou que são marginalizados por algum motivo. Ele compadece-se e coloca-se ao lado dos que sofrem, sempre, até a cruz, como quem diz: “Todo sofrimento conhecerá uma manhã de Ressurreição!” E é Maria quem nos aponta esse mistério.
Quando os magos do oriente apresentam-se trazendo seus presentes, encontram o menino “com Maria, sua mãe” (Mt 2,11). Oxalá neste Natal façamos o mesmo. Que procuremos a Jesus não entre as luzes esfuziantes do comércio ou dos excessos que se cometem nessa época, mas que o encontremos com sua Mãe, ou seja, lá onde o divino se encontra com o humano no maravilhoso acontecimento da Encarnação. Que encontremos Jesus no encontro com nosso semelhante. Que a luz desta festa nos faça cada vez mais humanos, compassivos, como Ele mesmo o é, para vivermos aqui a grandeza amorosa da sua divindade, Ele que assumiu a nossa humanidade.

Fernando Clemente, MSC.

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